Olá, queridos! Segue atividade de recuperação para revisar e fixar os conteúdos estudados!
Quando era adolescente, eu andava com a franja
do cabelo batendo no nariz. Parecia um cachorro lulu, mas me achava o máximo.
Meu pai resistiu a tudo: ao som de Janis Joplin, à minha mania de desenhar
girassóis nos cadernos, e só entregou os pontos quando me viu desbotando um
jeans novinho com cândida.
Em nocaute por pontos, suspirou:
— Nada mais me espanta.
Reagi dedicando boa parte da minha vida a
defender lances de vanguarda, como o uso de brinquinhos em orelhas masculinas
quando isso era tabu. Sempre achei que nada me surpreenderia.
Pois fui visitar uma amiga cuja filha
adolescente, de 14 anos, tem o rosto de um anjo de catedral, mas se veste de
preto, como um morcego. Encontro as duas brigando.
— Quero fazer uma tatuagem e ela não deixa.
Sorrio, pacificador. Aconselho:
— O ruim da tatuagem é que, se você se
arrepender mais tarde, não sai.
A morcega explica: será inscrita em um lugar
do corpo só possível de ser visto se ela mostrar. Tremo. Pergunto onde. A
resposta alegre:
— Dentro da boca.
Repuxa os lábios como um botocudo e mostra o
sítio designado: a parte frontal das gengivas. A mãe lacrimeja:
— Não, não. A bandeira do Brasil...
Eu e a mãe nos olhamos aparvalhados. Descubro
que o símbolo pátrio virou moda. A morcega continua: quer porque quer ir a uma
rua que reúne morcegos, mariposas e outros bichos nos fins de semana. Arbitro:
— Lá vão punks da pesada!
Ela zumbe, hostil, porque se considera punk da
pesada. Reage:
— O movimento punk quer liberdade, só isso.
— Prendi você? — lamenta-se a mãe inutilmente.
Fico sabendo que os punks de bom-tom até
andam, na tal rua, com cartazes dizendo: “Não quero briga” ou “Sou paz”. Também
elegeram um templo: a danceteria Morcegóvia, no bairro Bela Vista. É lá que se
encontram vestidos preferencialmente de escuro, com bijuterias de metal pesado,
brinquinhos de crucifixo e uma enorme alegria de viver — só preenchida pelo som
de rock pauleira. Digo, para me fazer de moderno:
— Sabe que fui ao show do Michael Jackson?
Ela torce o nariz. Odeia. Led Zeppelin,
Sepultura, isso sim! Arrisco:
— Quem sabe você fica rica montando um
conjunto chamado Crematório.
— Vocês (nós, adultos) só pensam em coisas
materiais. A gente (eles, os punks) quer é saber do espírito.
Já ouvi isso em algum lugar. Eu dizia a mesma
coisa e ficava furioso quando ouvia meus pais dizerem que, quando eu fosse mais
velho, entenderia tudo que estavam passando comigo. Explico que concordo com as
teses morcegas. Tenho apenas problemas em relação ao estilo. Olho para ela, de
camiseta preta e jeans rasgado, e penso, como ficaria bonitinha num vestido de
debutante.
Lembro de sua festa de aniversário: o bolo era
em forma de guitarra, cinza. Em certo momento, a turma se divertiu atirando
pedaços de doces uns nos outros, para horror das mães e avós presentes.
Subitamente desperto, descubro que a onda punk
se espraia muito mais do que eu pensava.
Um dia desses vi um garoto pintado de três
cores. O filho de uma vizinha usa dois brincos dourados, um rubi no nariz e
cabelos tão cacheados que noutro dia o cumprimentei pensando que fosse a mãe
dele.
A morcega me encara, pestanas rebaixadas,
farta. Nervoso, reflito que devo estar ficando velho. Adoraria estar do lado da
filha, para me sentir rejuvenescido. Toca a campainha, ela vai até a porta. Um
rapaz alto, de cabeça inteiramente raspada, sorri, rebelde.
Observo um dragão tatuado em seu couro
cabeludo. A mãe range os dentes, enquanto a filha sai nos braços de seu
príncipe motoqueiro.
Eu e a mãe nos olhamos, tão nocauteados como
foi meu pai. Sei que o rapaz trabalha, como a maioria dos punks. Mas onde? Não
consigo imaginar o gerente do banco com um alfinete espetado nas bochechas.
São rebeldes apenas nas horas vagas, quando
voam em seus trajes escuros pela noite? O careca bota peruca na hora da labuta?
A mãe me oferece um café. Exausta com o
rodopiar das gerações. Já sabemos: vem mais por aí.
Olho para a noite e penso em todos os morcegos
zunindo por São Paulo. Ser adolescente é difícil, mas... que saudade!
(CARRASCO, Walcyr. O golpe do
aniversariante e outras crônicas. São Paulo: Ática, 1996. p. 64-6. Col.
Para Gostar de Ler.)
1) O texto faz uma
contraposição entre os valores dos jovens — isto é, seus princípios, crenças
e comportamentos — e os valores dos adultos. Como a narrativa é feita em
1ª pessoa, o narrador também deixa transparecer seus valores. Como o
narrador era na sua adolescência? E depois da adolescência, ele mantém
suas convicções ou passa a ser conservador? Justifique sua resposta com
uma frase do texto.
2) No 3º
parágrafo, o narrador afirma: “Sempre achei que nada me surpreenderia”. O
que o narrador demonstra ser, com essa frase: liberal ou conservador? Que
palavra dessa frase já pressupõe que algo o surpreenderá no futuro?
3) O narrador se
refere à adolescente e aos amigos dela fazendo uso de palavras
que designam animais. Explique o sentido dessas comparações:
a) “tem o rosto de um anjo de catedral, mas se veste de preto, como
um morcego”
b) “quer ir a uma rua que reúne morcegos, mariposas e outros bichos
nos fins de semana”
4) Na discussão
com a mãe e com o narrador, a adolescente defende o movimento punk
com dois argumentos. De forma resumida, quais são eles? A forma
como a adolescente expõe esses argumentos demonstra que ela
conhece profundamente as ideias punks, ou que ela provavelmente as
conhece “por cima”, “de orelhada”? Justifique sua resposta.
5) O narrador
finaliza com a frase: “Ser adolescente é difícil, mas... que saudade!”.
a) Na sua opinião, a quem se refere a dificuldade mencionada pelo
narrador: ao próprio adolescente ou aos pais? Por quê?
b) Apesar das dificuldades, o narrador sente saudade dessa fase da
vida. Levando em conta esse fato, quais das afirmações seguintes você
considera corretas?
• A saudade revela que o narrador ainda aprecia a coragem e a ousadia dos
jovens em querer alterar os valores e os comportamentos sociais.
• O narrador se identifica com as causas da juventude de hoje, mas a fase
dele já passou; por isso, ele apenas sente saudade.
• O fato de o narrador sentir saudade de sua fase adolescente significa
que, apesar de ter se tornado mais experiente e talvez até mais acomodado,
ele reconhece o quanto é bom ser jovem e rebeldemente lutar por um ideal
6) No 1º parágrafo, o narrador, referindo-se a reações do pai diante dos seus comportamentos de adolescente, afirma: “entregou os pontos” e “Em nocaute por pontos, suspirou”. Explique o sentido das duas expressões destacadas.
7) A palavra pois é empregada normalmente em situações em que se deseja explicar alguma coisa
dita anteriormente. Por exemplo:
Não posso ir com você até lá, pois tenho um
compromisso.
Note que a oração “pois tenho um
compromisso”
8) A palavra
"pois" é empregada normalmente em situações em que se deseja explicar
alguma coisa dita anteriormente. Por exemplo: "Não posso ir com você
até lá, POIS tenho um compromisso." Note que a oração
“pois tenho um compromisso” explica por que se disse antes “Não posso ir com
você até lá”. Agora observe a construção a partir da palavra POIS, do 3º parágrafo do texto. Transcreva-a aqui e depois responda:
Essa palavra foi empregada nessa situação com um sentido diferente do
habitual. Qual das palavras abaixo poderia substituí-la, sem alteração de
sentido?
por isso - porque - até que - logo - uma vez
que
9) Retire
expressões do texto que tenham sentido denotativo e conotativo.
10) Faça frases
usando cada uma das 6 figuras de linguagem, contanto que aborde o mesmo tema do
texto lido.
Boa prova!